terça-feira, 20 de outubro de 2009

entre um e outro

ele tinha acordado com o pé esquerdo.
logo de manhã, tomou um gole de café gelado e manchou a camisa branca.
na hora de sair pra almoçar, o chefe chamou pra uma reunião que durou três horas e estabeleceu três novos prazos - sem ter cumpridos os três anteriores.
depois do salgado na esquina, ele foi ao banco pra conferir que estava negativo e que o cheque especial já tinha estourado (há mais de uma semana).

quando entrou no carro e conferiu a gasolina na reserva, teve que se contentar com o portão quebrado, e abri-lo na marra, no manual.
tudo isso já seria tão ruim se, a uma quadra do destino, quase que sem querer, não tivessem batido na traseira do seu carro novo - os plásticos continuavam no banco -, depois de uma hora e meia no trânsito.

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ela não voltava pra sua casa fazia dois meses. dois meses sem comida de mãe, sem abraço de vó.
mal dormia pra manter o bom estudo; pra manter-se por ali com o que ganhava no dia-a-dia.
a geladeira sempre estava vazia, mas o sorriso sempre estava tão cheio de alegria que o supermercado era passeio.
o aluguel amentou; o cano do gás tinha estourado e o chuveiro não sabia o que era "verão" e o que era "inverno".

as roupas tinham dormido na sacada e sido lavadas uma segunda vez.
entre a parte da manhã e a parte da tarde, aproveitou o horário de almoço e escreveu.
escreveu as palavras mais bonitas que já tinham sido escritas, numa ordem perfeita entre carinho e sabedoria. porque ali havia sabedoria: o balanço ideal pro amor não interferir entre as linhas e desalinhar os pontos.

dorbou com carinho, colou um adesivo daqueles de caderno e partiu.

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"onde você tava? tô aqui parado há mais de meia hora te esperando. não tem como vir mais cedo da próxima vez?"

entre rasgar e esconder, ela jogou a carta no chão e se esqueceu, quase que instantaneamente, de todas as palavras bonitas que tinha ali desenhado.
apertou o passo e não se esqueceu de colocar o cinto.

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